O músico: na igreja e como profissional



Nelson Bomilcar 



 O artista em geral e no caso, o músico, tem uma realidade muito  complexa, tanto dentro ou fora da igreja. Infelizmente durante muitos anos foram incompreendidos e marginalizados em sua atuação. Esta realidade foi um pouco atenuada fora do país, por causa de uma mentalidade mais aberta e por se valorizar a arte como base de uma educação de um povo. Nem todo músico é boêmio (idéia arraigada, infelizmente) e tem uma possibilidade enorme de adorar a Deus através de sua vida profissional.
As barreiras são muitas para que trilhe este caminho: barreira familiar, quando os pais se assustam com a opção de seus filhos se tornarem profissionais, já que em nossa cultura isto não é valorizado; barreira educacional, já que o ensino de música não é obrigatório nas escolas municipais e estaduais, levando o aspirante a músico a brigar por algumas vagas oferecidas por escolas do governo ou migrará para o ensino particular ou em escolas superiores particulares, e a própria barreira profissional, com poucas oportunidades oferecidas em seu mercado de trabalho..
Quando fui estudar contrabaixo na Escola Municipal de Música em São Paulo, em 1971, ouvi do meu professor que deveria optar por outro instrumento, pois as orquestras municipal e estadual, inclusive a jovem, já tinham instrumentistas suficientes nestes instrumentos para os próximos 20 anos. Isto é, se optasse pelo instrumento, teria poucas chances de trabalhar profissionalmente aqui, a não ser dando aulas ou formando um grupo de jazz.
Em nosso mundo evangélico brasileiro ainda se questiona se o músico ou artista pode exercer seu dom e capacidade de forma profissional e não só de forma amadora. Há muita ignorância teológica sobre o uso das artes, parecendo inclusive que esta dimensão está excluída de uma vida cristã saudável.
Parece que o músico, ou o artista em geral, vive num planeta à parte, muito mais sujeito às tentações e lutas do que os outros profissionais. Para quem trabalha pastoralmente como eu e está envolvido com aconselhamento, sabe que isto não é verdade, pois estamos sujeitos a toda a sorte de provações e tentações em qualquer área e ambiente em que se vive.
A idéia em nosso meio é a seguinte: o músico ou artista que se converte precisa “abandonar” o mundo e a “velha” vida, diferenciando-o de outros profissionais (médico, dentista, professor, bancário, etc.) que passam pela mesma experiência de conversão, como se estas profissões fossem “santas” e a dele não. O fazer tudo para a glória de Deus (1 Cor. 10.31) continua valendo para todos, e todos os profissionais cristãos terão áreas de tensão e que terão que se posicionar por causa do cristianismo, considerando a ética e a moral cristã, além dos valores do reino de dignidade e justiça.
Graças a Deus temos a experiência de Lutero e dos irmãos Wesley, por exemplo, que além de teólogos, eram músicos. Deus é o Supremo Artista, e Sua capacidade de criação se vê em todo o universo. Precisamos resgatar em nossa teologia, a teologia das artes.
Tenho ouvido este resgate nos últimos tempos através de ministrações do Gerson Ortega (SP), Carlinhos Veiga de Brasília e Sidney Costa, coordenador do Louvale em São Jose dos Campos, além dos irmãos da Associação de Músicos Cristãos (AMC) e que tem ajudado os artistas da igreja em seus posicionamentos e decisões.
O músico cristão recebeu dons e talentos para criar, para executar, para exercitar com excelência e integridade na adoração e no testemunho diário. Não somente na igreja, mas dando testemunho de Jesus em seu meio ambiente, sendo sal e luz do mundo. O músico precisa ser responsável em seu ambiente de trabalho. O músico está envolvido na missão que recebemos como crentes, além de poder usar a música para seu sustento digno. Consideremos alguns aspectos
O músico necessita de apoio espiritual
É importante um trabalho de discipulado para que seja transformado em seu caráter como pessoa e para que tenha sabedoria no uso de seus talentos. Apoio de oração para que seja luz em seu ambiente de trabalho e para que persevere em meio à lutas de sua realidade e irmãos e autoridades que o avaliem e aconselhem.
O músico precisa de espaço e oportunidade
Não devemos olhar o músico ou artista com preconceito mas sim, viabilizar oportunidades para que ele possa servir a Deus na igreja com alegria, humildade, excelência e integridade. Não somente na igreja, mas fora do ambiente dela para que mostre que é possível um artista servir a Deus exercendo sua profissão com a dignidade que ela tem.  Mais de 70%  dos artistas das grandes orquestras e coros dos grandes centros e também os populares, saíram de igrejas evangélicas. Não podemos nos conformar com esta perda.
O músico precisa de preparo
É fundamental o músico se  preparar para dar o seu melhor ao Senhor e executar sua música com excelência. Dedicar o melhor e não o pior ao Senhor, sempre com um coração singelo e integro. A igreja sempre que possível deve ajudar para que os que se dedicam sejam abençoados e cresçam em seu serviço e ministério.
O músico precisa de sustento
Obviamente nem todos poderão ser sustentados pela igreja, mas precisamos ser sensíveis e ajudar àqueles que estão se dedicando para este trabalho e ministério continuamente na igreja local. É sabido que as oportunidades dos músicos de exercitarem as suas profissões e, ainda mais, ganhando para isso, são muito escassas em nosso país. A maioria dos músicos consegue sustento dando aulas, gravando, e tocando em festas, casamentos, orquestras e coros, e poucos, com artistas expostos na mídia.
O crescimento de oportunidades no ambiente evangélico aumentou e muito, para a atuação profissional e ministerial, e a música cristã ou gospel representa  hoje 30% da produção fonográfica nacional, além de programações independentes para a rádio e TV aberta ou paga.
Junto com isto é preciso que se mude a mentalidade, para favorecer a atuação dos artistas cristãos. Vamos dar mais um passo para beneficiar esta geração e a próxima, e que os músicos e artistas tenham sempre discernimento e maturidade para viver de maneira digna do evangelho que abraçaram.

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